O STF e Jean Calas! A história se repete como tragédia anunciada?

A história de injustiças em julgamentos enxerta a caminhada da humanidade como uma constante que lhe formata a diretriz do abominável e da integridade. Isto porque é, paradoxalmente, o erro judiciário e o autoritarismo que acabam iluminando a passagem dos sobreviventes, tementes de incorrerem nas mesmas claudicações.
A história do processo e suplício de Jean Calas, na França, carimba de maneira inexorável este fato que, porém, só relevância teve após Voltaire, conhecido filósofo e advogado, ter assumido a defesa do indigitado injustiçado e depois provado sua inocência (já um pouco tarde, pois Calas fora executado antes).
Foi o sentimento de perseguição católico, muito vivo à época, contra os protestantes huguenotes, o principal motor viral da condenação de Jean Calas. O catolicismo era religião de Estado e havia um clima de intolerância acirrado contra os que não professavam a fé oficial.
Mas para além deste importante detalhe, outro que não pode nos escapar e que nos remete ao presente momento é a condição jurídica daquele que foi encarregado pela investigação no caso, o capitoul David de Beaudriguez.
Há, todavia, detalhe intrigante que não passou despercebido a quem leu sobre o assunto. Segundo Henri Robert que, no apêndice de seu conhecido livro “O advogado”, narra o caso, o capitoul “era uma espécie de funcionário público encarregado ao mesmo tempo das atividades policiais e de judicatura em primeira instância, que agia ao mesmo tempo como comissário de polícia e juiz de instrução, e que, além disso, podia constituir com seus colegas uma jurisdição subalterna.”[1]
O famoso inquérito das fake news, orquestrado e dirigido pelo Supremo Tribunal Federal deste país, tem estas mesmas características que nos lembram o episódio francês, pois reúne nas mesmas pessoas não só a condição de investigador e juiz, mas igualmente de vítimas, estando a corte constitucional em patamar de opróbrio e desonra superior às de David Beaudriguez.
O
silêncio que impera na maior parte do stablishment jurídico contra essa
tragédia anunciada é constrangedor, mas serve de luminar, como referido no
início do texto, para saber quem ousará citar e se apropriar do nome de
Voltaire ou de Jean Calas indevidamente ao lembrar de alguma injustiça
presente.
[1] ROBERT, Henri. O advogado. Trad. Rosemary Costhek Abílio – São Paulo: Martins Fontes, 1999, p. 135.
Por: Jimmy Deyglisson é advogado criminalista, vice-presidente da ABRACRIM/MA, membro do ICP - Instituto de Ciências Penais e especialista em ciências penais.
Seja o primeiro a comentar!