Responde por falso testemunho quem não se compromissou a dizer a verdade?



Responde por falso testemunho quem não se compromissou a dizer a verdade?

Não se espera, conquanto não seja improvável, que uma testemunha possa mentir em seu depoimento. Para reforço da exigência ética e legal que se demanda da fala de qualquer pessoa, uma vez que, naturalmente, ninguém compactua com a mentira, o Código de Processo Penal brasileiro criou uma liturgia que é a promessa de dizer a verdade, insculpida no art. 203: “Art. 203.  A testemunha fará, sob palavra de honra, a promessa de dizer a verdade do que souber e Ihe for perguntado, devendo declarar seu nome, sua idade, seu estado e sua residência, sua profissão, lugar onde exerce sua atividade, se é parente, e em que grau, de alguma das partes, ou quais suas relações com qualquer delas, e relatar o que souber, explicando sempre as razões de sua ciência ou as circunstâncias pelas quais possa avaliar-se de sua credibilidade.”             

              Neste ato, o juiz, antes da testemunha iniciar suas declarações, dir-lhe-á que a partir daquele momento não poderá faltar com a verdade ou omiti-la, sob pena de responder por crime de falso testemunho (CP, art. 342). Estão excluídos deste compromisso, todavia, os doentes mentais, menores de catorze anos e os descritos no art. 206 do CPP[1] (CPP, art. 208).

              Assim, poderia se imaginar que, do ponto de vista ontológico, haveria diferença substancial entre as declarações de quem se compromete em dizer a verdade e aquele que não o faz, como se somente o primeiro pudesse sofrer as penas do falso testemunho. Não é assim.

              Na verdade, mesmo sem prestar compromisso, a testemunha não está impedida de mentir, mas terá afetada sua credibilidade de testemunha, ou que, no mínimo, fará com que o magistrado avalie suas palavras cum grano salis, bem como poderá sofrer os revezes da lei, como se verá.

              Dito isto, vejamos o texto legal do art. 342 do Código Penal: “Art. 342. Fazer afirmação falsa, ou negar ou calar a verdade como testemunha, perito, contador, tradutor ou intérprete em processo judicial, ou administrativo, inquérito policial, ou em juízo arbitral: Pena – reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa.

              De indagar-se, assim: pode a testemunha descompromissada cometer o crime de falso testemunho? Em outras palavras, é condição do injusto penal descrito no art. 342 do CP que a testemunha não tenha prestado compromisso?

              Há duas posições. A primeira, afirma não ser necessário o compromisso para a configuração do crime de falso, “tendo em vista que toda pessoa tem o dever de dizer a verdade em juízo, não podendo prejudicar a administração da justiça. Além do mais, a formalidade do compromisso não integra mais o crime de falso, como ocorria por ocasião do Código Penal de 1890. Nessa esteira: alinham-se nessa posição: BENTO DE FARIA, HUNGRIA, NORONHA, TORNAGHI, TOURINHO FILHO, ANTOLISEI, MANZINI, MAGGIORE, RANIERI, MARSICH, CASTILLO, LEVENE, GRIECO e CANTARANO e LUIZ REGIS PRADO”.[2]

A segunda, que “há necessidade do compromisso, pois sem ele a testemunha é mero informante, permitindo ao juiz livre valoração de seu depoimento.” Neste sentido também é a posição de ESPÍNOLA FILHO, MENEGALE, MAGALHÃES DRUMOND.[3]

A jurisprudência também se divide. A primeira posição é encontrada aqui: “(…)Comprovando-se que a testemunha devidamente compromissada deliberadamente fez falsa afirmação em Juízo para o fim de produzir prova em processo penal, impõe-se a condenação nos termos do artigo 342, § 1º do Código Penal (TJDF, Rec. 2007.03.1.009077-9, Rel. Des. João Egmont, DJDFTE 13/8/2010, p. 167)”.

A segunda, aqui: “(…) A testemunha que não presta compromisso legal, por possuir íntima amizade com o réu, não tem o dever de dizer a verdade, não podendo, em razão de eventual mentira afirmada em juízo, responder pelo crime de falso testemunho (TJRS, ACr. 70034672519, Rel. Des. Gaspar Marques Batista, DJERS 14/7/2010)”.

Há quem acredite tratar-se a promessa de mera simbologia, que reforça “na consciência do depoente o dever de veracidade”. De mais a mais, “também objetiva facilitar a tarefa de apreciação da prova pelo juiz, alertando-o para a duvidosa confiabilidade do depoimento de certas pessoas não compromissadas.[4]

Particularmente, entendemos ser incompreensível não se exigir o compromisso de dizer a verdade de algumas testemunhas, mas ao mesmo tempo tratar penalmente da mesma forma aquelas que estão compromissadas. Aliás, dentre as primeiras estão os menores de catorze e até doente mentais. Como puni-los na redação do art. 342 do CP? Impossível.

Destarte, somente poderão ser processas pelo crime de falso testemunho aqueles que se comprometeram em dizer a verdade.


[1] Art. 206.  A testemunha não poderá eximir-se da obrigação de depor. Poderão, entretanto, recusar-se a fazê-lo o ascendente ou descendente, o afim em linha reta, o cônjuge, ainda que desquitado, o irmão e o pai, a mãe, ou o filho adotivo do acusado, salvo quando não for possível, por outro modo, obter-se ou integrar-se a prova do fato e de suas circunstâncias.

[2] NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. 17 ed. São Paulo: Forense, 2017, p. 906, livro digital.

[3] Idem, ibidem.

[4] GOMES FILHO, Antonio Magalhães. Código de Processo Penal Comentado. 1 ed. Alberto Zacharias Toron (Coord.), São Paulo: Revista dos Tribunais, 2018, p. 448.

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