Resumo – Schünemann sobre os acordos processuais penais.

Na coletânea de reflexões de Bernd Schünemann, organizada por Adriano Teixeira e publicada pela Marcial Pons, e que envolvem estudos sobre Filosofia do Direito, Direito Penal e Direito Processual Penal, há um artigo cujo título é: “Acordos sobre a persecução processual penal ou a volta do Estado de direito ao escambo – Um discurso festivo com notas de rodapé?”
A tradução ao português ficou a cargo de Pedro Pouchain.
No texto, Schünemann argumenta que o sistema de justiça criminal retrocedeu ao escambo, ou seja, foi transferido do âmbito do templo para o mercado. A transformação da punição do crime em uma burocracia administrativa pode fazer sentido, talvez para garantir o emprego de juízes, advogados e repórteres, ou ainda para entreter as massas, mas o propósito real permanece indefinido. O que importa é que tudo continue a funcionar. Se a justiça criminal busca verdade e equidade, como em um templo, ou se trata os resultados como um mercado, isso permanece incerto. No entanto, o funcionamento do sistema parece ser a prioridade.
As relações agora assumem a forma de mercadorias, geralmente com foco em lucro financeiro. Onde isso não se aplica, a economia de permuta deve ser considerada — inclusive na justiça criminal. Um juiz americano, por exemplo, explicou a severidade de uma pena, resumindo a troca de tempo entre ele e o réu: “ele toma um pouco do meu tempo, eu tomo um pouco do dele, é assim que funciona.”
A busca implacável pela verdade no processo penal é usualmente simbolizada pela imagem do templo, o lar da justiça. Esta ideia tem raízes históricas que remontam a mais de mil anos, até a criação do processo inquisitorial pelo Papa Inocêncio III. Antes disso, fora das jurisdições papais, um conceito diferente prevalecia, em que crimes como homicídios eram meras disputas familiares resolvidas por compensações monetárias, ou seja, todo conflito era tratado como uma questão de direito civil, mediado por reparação de danos.
Diz o autor que a imposição de penas exige evidências sólidas de culpa no processo penal, tanto para legitimação pela culpabilidade quanto pelas implicações da teoria preventiva da pena. A simples concordância do réu com a pena não é suficiente; ao contrário do processo civil, onde a autonomia privada permite acordos sobre consequências jurídicas, no processo penal isso não é possível.
Atualmente, 95% dos casos nos EUA são resolvidos por meio de acordos de culpabilidade (plea bargaining). A realidade do sistema criminal americano envolve investigações policiais frequentemente corrompidas, com evidências em escândalos como o assassinato de John Kennedy e a extorsão de confissões por meio de acusações exageradas e ameaças de sentenças drásticas.
Na Alemanha, os acordos no processo penal já existem há mais de quarenta anos. Entretanto, Schunemann ressalta que, devido à natureza não adversarial do processo alemão, o conceito de guilty plea não se aplica; em vez disso, busca-se um resultado que se aproxime da confissão, onde a redução do processo através da admissão de culpa resulta em penas mais suaves.
Além disso, ao contrário dos EUA, onde a negociação de acordos ocorre entre defesa e promotores, na Alemanha se dá entre defesa e tribunal, com um potencial veto do Ministério Público. Essa dinâmica gera uma negociação superficial, comparável a um gato que decide como matar um rato que não pode escapar. Se nenhum acordo for alcançado, o juiz que mediou as negociações permanece responsável pelo caso, o que também se assemelha a uma farsa.
Estudos anteriores realizados por Schünemann indicam que a possibilidade de absolvição, mentalmente não é levada em conta pelo magistrado durante o processo, eliminando qualquer chance de defesa eficaz. A dominância dos juízes contrasta com a crescente impotência da defesa, refletida na baixa taxa de sucesso nas apelações, que chega a apenas 1,2% em algumas áreas na Alemanha. Diante desse cenário, os advogados muitas vezes optam por acordos em vez de tentar apelações sem perspectivas.
Para restaurar algum equilíbrio no processo, seria necessário um esforço considerável do legislador, especialmente em relação à fase investigativa, onde, em casos de acordos, o ônus da busca pela verdade deve recair sobre a acusação – que está sobrecarregada e desgastada em sua forma atual e carece de uma defesa suficientemente robusta.
Recomendo com ânimo a leitura do presente texto, pois traz à tona o questionamento sobre a legitimidade punitiva através de um acordo entre réu e estado, bem como se isso é, de fato, processo penal.
Por: Jimmy Deyglisson
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